segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Não engavetemos

Diante do engavetamento histórico ocorrido na Rodovia dos Imigrantes, as autoridades competentes entraram em apreensão (como sabemos, autoridades competentes entram em apreensão quando não há mais como desacontecer as tragédias históricas). Decidiram que era hora de passar instruções aos motoristas sobre como agir na estrada, especialmente em situações de neblina gorda. Uma das regrinhas essenciais: ao parar o veículo, é preciso mantê-lo beeeeeem longe do fluxo, longe até do acostamento – e com o pisca-alerta ligado. Local sinalizado, tudo bonitinho. Estou aqui, estou aqui, não me atropeleis, ó vós que prosseguis no volante.

Não precisamos estar na Rodovia dos Imigrantes. Em rodovia nenhuma. Em carro nenhum. Havendo qualquer caso de neblina gorda, a tendência é que as pessoas engavetem. Espere momentos de pouca visibilidade e confira. O chefe da família perdeu o emprego: um clássico. Como será o amanhã? o que irá nos acontecer? (raras vezes os parceiros, filhos e filhas têm a placidez de garantir que o destino será como Deus quiser). E o carro, e o computador, e o cursinho, e o concurso, e a reforma da cozinha, e as férias em Orlando? Pronto: no meio da barata-tontice, colisões de interesses à vista. O pai (ou a mãe) se desespera, a mãe (ou o pai) se retira, as crianças (ou adolescentes) cobram. Muito mais sábio se, por um instante, a família se ausenta do fluxo. Interrompe a programação normal e se reúne inteira à margem da estrada. Que os colegas de escola viajem, que as amigas perguntem pela festa, que os amigos peçam contas do prometido churrasco. Whatever. É árdua a ação de não agir, de entregar-se à paciência, de flertar com o tipo de impotência que não passa de serenidade. É duro aguardar semi-invisível pelo minuto certo. Mas o único procedimento cabível para não nos fazermos mutuamente um monte de sucata esmagada.

O casal brigou. Feio. Porque não houve espera, porque não houve retirada estratégica do automóvel, o tom subiu, o nível desceu, a raiva escapou; o cravo saiu ferido, e a rosa, despedaçada. Não seria menos letal se cada condução perdida ligasse o pisca, encostasse no próprio silêncio e retornasse quando a adrenalina já não nublasse opiniões?

A empresa entrou em crise. Feia. Adianta se colocar em modo salve-se-quem-puder, virar trator de colegas, detonar o chefe, repassar informação privilegiada para a concorrência? Uma vez dissipado o caos, fica mais aparente o estrago feito pela antiética do pânico. Partidários do faroeste caboclo serão os últimos retirados dos destroços.

O diagnóstico foi ruim, a babá se demitiu, a loja faliu, o patrão deu ultimato, a esposa deu ultimato, o nome não veio na lista de aprovação. Correr para onde? Não correr. Não agora. Entender que pavores não são exatamente as mais afiadas bússolas, que respiração ofegante não indicia clareza de visão. Arrancar-se do campo de batalha e só voltar após recuperadas as CNTP. Pelo bem alheio, também. Amigos são os primeiros que a gente engaveta.

Daí a verdade da recíproca. Convém manter distância prudente ante um pisca-alerta aceso e um parceiro dando tom de ocupado. E marcar retorno para duas horas depois do sinal verde.

3 comentários:

Lucas Adonai disse...

Mais uma vez te parabenizando!

neetho brasil disse...

Pô cara, muito interessante o seu post. E como sempre, tudo continua um horror :x

Sou novo na área, e espero você *--*
http://amigoperigo.blogspot.com

♥ Evelin Pinheiro ♥ disse...

Adorei a forma como simulou tudo aí... perfect! Estar aki é sempre uma aula!

Flor, Andei beeeem sumida pelos motivos de sempre, e ainda por cima, me mudei de casa, tudo uma bagunça. Mas tentarei estar mais presente!
Tem postagem nova, confere lá!
Beijos*-*
evesimplesassim.blogspot.com