sábado, 22 de outubro de 2011

A praça é nossa

Como tem comemoração de tudo no universo, hoje é o Dia da Praça. Descobrir isso me deu ataque de ternura. Minha vida está ligadíssima a duas praças muito diferentes – uma transpirando a cavalinhos, balanço e verde; a outra representando comércio, cinema e lanche com a mãe. Na segunda (coração incontestável do bairro), eu passava os sábados à tarde; na primeira, os domingos de manhã. Crescer com as duas versões de paraíso é privilégio que não dou, não troco e não vendo.

Lembro-me nitidamente de mim aos seis ou sete anos, sa-li-van-do de gula pelo fim de semana, sonhando de olhos arregalados com a oportunidade de montar e alimentar os cavalinhos de domingo. Sim, porque não me contentava em passear nos poneizitos da praça, devidamente guiados pelo cuidador. Eu levava quase todo o passeio puxando e arrancando raminhos das árvores mais baixas, só pelo orgulho de ver os bichos mastigando meu oferecimento com vontade. E, claro, pelo amor que lhes tinha. Sou doida em equinos desde que descobri ser gente. Mas não esqueçamos o balanço – outros 50% de alegria dominical. Eu balançava, balançava, balançava com gozo e instinto de pássaro. Ficaria ali manhã, tarde e noite, aproveitando as asas improvisadas, dando-me impulso com independência, tomando cuidado apenas para não atropelar nenhum desavisado. Ainda é o cuidado que mais me absorve em meus voos particulares.

Já crescidinha, ia mais à segunda praça que à primeira. Não eram voltas de domingo (os domingos sempre tinham sol naquela época), era a delícia de sábado. Cinema ou teatro infantojuvenil; em seguida, chás da tarde – a rigor, cafés com leite da tarde – ao lado de Mãe. Devo muito a Mãe o fato de me sentir em casa nas salas de cinema, que coalhavam minha praça de estimação nesse tempo. Eram várias as de rua. Hoje migraram para os shoppings, encastelaram-se. As casas de chá também. Cines antigos viraram farmácia, Igreja Universal, Leader Magazine. O Café Palheta, de meu amado waffle com manteiga e mel, foi reduzido a um estandezinho da drogaria Venâncio. Memórias românticas foram tristemente enxutas e comercializadas, vulgarizadas pelo progresso, pela falência, pela necessidade. Mas a praça continua ali: popular, caótica, acelerada, as mesas de velhinhos da biriba, os aparelhos de academia ao ar livre, o chafariz que respinga amoroso na gente (tem peixe!), os ônibus que disputam palmo a palmo, a feira de artesanato tão querida, a correria, a pressa, o metrô, o tudão que bate no coração do meu bairro. Bairro que é bairro tem no coração uma praça. Infância que é infância, também.

Não precisam ser duas como meus dois céus, não precisa ser grande, acavalada, encinemada, movimentada. Basta que seja praça honesta, que tenha a decência de oferecer ao menos um balanço. Que apresente ao menos uma criança correndo. Um pipoqueiro. Um vendedor de qualquer coisa que não se deva comer antes do almoço. Uma qualquer vegetação que você sempre recordará como amazônica, ainda que não passe de dois canteiros mixos. Um prédio tombado no entorno. Vários prédios sem varanda no entorno, velhos como a memória. De preferência, alguma feirinha em que se comprem saias indianas. E aquele não-sei-quê que torne a praça grande, imensa, infinita – por mais que no futuro a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim tenham perdido sua reputação de reino encantado pela métrica adulta. Mas a praça da infância fica. Fica. Do mesmo jeito, de igual tamanho. Tombada por nosso patrimônio histórico.

A praça é do povo como o céu é do condor, diria Antônio. Sei não. Acho que a praça pode ser céu de fazer condores momentâneos em balanços voadores. Só não é exclusividade do povo. Ela é, sobretudo, lugar de nossa individualidade sair da cela para tomar seu banho de sol.

6 comentários:

Ozzy Villa disse...

Pena que o sentido de praça vem sendo perdido!
O que era um local de denúncias e pulpito do povo, virou uma simplória passagem de pessoas preocupadas com seu precioso tempo!

Meu blog:
http://livrementepresos.blogspot.com/

Andy A. disse...

desconhecia esse dia da praça , como você mesmo tem dia para tudo , mas praça merece rsrsrs
http://andyantunes.blogspot.com/

Unknown disse...

a praça é um importante local da cidade. Nela as conversas informais geram alegrias e reflexoes. devemos preservá-la sempre!
blogestarcomvoce.blogspot.com

Nuti disse...

Sensacional! me lembrou a infância seu texto!
Seu blog tem o dom de fazer das coisas simples um grande texto.

Comecei bem a manhã!




http://www.alteregodonuti.blogspot.com/

Anônimo disse...

O livro não é sobre fraternidades não. É só o alojamento. Que bom que vocÊ gostou da resenha e do blog, obrigada :)

http://thebookofmydreams.blogspot.com

Unknown disse...

minha querida Fernanda: promessa é divida!
blogestarcomvoce.blogspot.com (O GAROTO DA CAPA AZUL - PARTE 2)
espero que goste!