sábado, 12 de novembro de 2011

Godzillas

Há dias falei de usabilidade – nossa capacidade de emprego, condução, manobra pelos que nos cercam –, e mencionei como antiexemplo a personagem Tereza Cristina, antagonista da novela Fina estampa. Mas Tereza Cristina é um caso clínico. Não é simplesmente não-usável: é um monstro. Sem ser a tradicional psicopata fria nem a caricatura da vilã pérfida, que faz o mal pelo mal. Trata-se da categoria de quase-gente. Ou de gente com péssima instalação elétrica e uma caçambada de fio exposto (adianta chamar o Pereirão?). Teoricamente, a diva é esposa apaixonada, mãe presente, boa administradora da casa, senhora de sociedade, eficaz organizadora de festas. Uma lady. Uma Guinevere. À proximidade de meio milímetro, Tereza se mostra um daqueles bichos-papões de cantiga, primos de saci, que te pegam daqui, te pegam de lá. Espécime de godzilla em estado avançado de mutação.

Tereza é má, mas não é godzilla por ser má. É godzilla por ser impossível. Intratável. Insuportável. Imprevisível. Ontem mesmo, no capítulo da novela, cadê coragem de contar para a jacaroa que a filha está grávida do fulaninho que ela detesta? “Na melhor das hipóteses, vai colocar fogo no quarteirão”, comentou displicente o marido. “Vai colocar fogo na Barra da Tijuca inteira!”, afirmou a moça – e está tudo muito bem, tudo muito bom. Assim é Tereza e acabou-se. A filha saiu de casa, porém aguardou ser esbofeteada e sacolejada para tomar o passo óbvio. O príncipe-consorte continua lá, ar de amofinado incômodo, candidato aguerrido à canonização. Todos se curvando, com maior ou menor tremor de coelhinho caçado, às idiossincrasias maluconas da fofa.

Conheço alguns godzillas. O principal sintoma é justamente esse entorno: apavoramento geral. Sua pré-chegada provoca o rebuliço que antecede Miranda Priestly em O diabo veste Prada. Godzillas ferem uma, duas, cinco vezes, o que for bastante para o trauma. Nas aproximações seguintes, autoestimas se encolhem ou sozinhas se chicoteiam – cachorrinhos de Pavlov antecipando desculpas pela própria desastrada existência. A mise-en-scène godzillesca pode envolver grito, histeria, palavrão, chulice, bofete, surra de cinto, mas pode só e venenosamente se ater a desprezo, críticas públicas, mudo sarcasmo, olhar de ironia, voz maciinha espezinhando egos com agulhas que atacam à traição. Seja qual seja o perfil da Cuca em estudo, mantém-se sua mais eficiente vara de marmelo: audição nula. Por não ouvir é que godzillas são assustadores. Por não darem sinal, da altura onde estão, de que acusaram recebimento das buzinadas e demais indícios de raça humana num raio de quilômetros. Atropelam a família e vão ao cinema.

Godzillas: inválidos sem possível cirurgia ou muleta. Não há transplante de cóclea que resolva surdez entre a nossa e a outra, imaginária, dimensão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei o post! Tenha um ótimo domingo!

Depois dá uma passadinha lá no blog? Tem novidade! Comenta???
http://estanteseletiva.blogspot.com/2011/11/resenha-fabrica-de-diplomas.html