domingo, 1 de abril de 2012

Fools' Day

Dizem que a bobagem começou na França. Era século XVI e as celebrações de ano-novo principiavam em 25 de março, junto com a primavera; iam até 1º. de abril. Só que, em 1564 – uma vez adotado o calendário gregoriano –, o rei Carlos IX cortou o carnavalzinho e botou moral: ano-novo começa 1º. de janeiro, punto e basta. Teve gente que não curtiu e insistiu na data antiga. Aí foi vez de os teimosos serem curtidos. Alguns gaiatos zombavam desse apego ao ex-calendário mandando presentes estranhos aos turrões, além de convites para festas falsas. Muitos caíam na pegadinha dos malandros. Nós – os cronicamente alérgicos a pegadinhas – nunca mais tivemos paz.

Desde pequena guardo ojeriza a qualquer forma de se divertir em cima da ignorância alheia. Não é por casmurrice. Não é por mau humor. Sou, aliás, uma das maiores entusiastas e admiradoras do bom humor perene, contanto que não histérico. O que detesto, e nem de leve consigo digerir, é a brincadeira à revelia. Não acredito em brincadeira à revelia, com o mesmo espírito em que não acredito no sexo praticado com quem se opõe à ideia, ou nem está ciente dela. Se é crime hediondo a violência que nos invada uma nudez de corpo, é também criminosa – moralmente, no mínimo – a invasão não consentida de nossa nudez emocional, de nosso estado de desproteção mental, da baixa guarda que apresentamos quando estamos no silêncio de nós mesmos. Ninguém tem direito (se nos recusamos) a gozar em nós, ninguém tem direito (se não participamos) a gozar de nós, a rir de uma fragilidade descoberta na alegria espontânea, na tristeza pura ou no puro susto. Ninguém tem o direito de estuprar nossa autenticidade de reação, nosso sagrado território de disfarce, nosso foro íntimo de informações ou desinformações. Há tanta graça em bolinar sentimentos despreparados quanto em manipular sexos indefesos. Nenhuma? pois é: nenhuma. Nada há mais covarde do que explorar uma qualquer fraqueza de outrem em próprio benefício.

“Mas tem quem goste de ser zoado”, resmungarão os adeptos do “humor” obrigatório. Mentira. Tem gente, sim, que sai rindo amarela ou gargalhantemente do episódio; acontece que é mera demonstração de boa vontade social, preguiça de se amofinar, desânimo de brigar sério, tolerância com a criatura (às vezes amada) que pregou a peta, até pena. Ou, na maior parte dos casos, paixão por continuar sendo considerado simpático. Rir de ter sido apanhado em pegadinha não é manifestação de prazer; é o preço que pagamos, condescendentes, pela manutenção do título de amigo. É imposto. Mensalidade. Taxa de condomínio. E investimento esperto: a pobre alma que mais reclamar seus direitos de privacidade é justamente a infeliz que mais será posta na berlinda. Rir, rir de verdade inteira e de peito aberto, rir no modo 100%, só acontece quando há 0% de aborrecimento e orgulho ferido, nada de vexame nem de secreto lamento, nem de aguda preocupação com o destino do flagrante no YouTube. Rir é bom demais para não ser experiência completa. Rir é bom demais para ser de qualquer jeito. Rir é bom demais para ser bom demais apenas para uma das partes envolvidas.

Como cá outra atividade que me ocorre. Mas talvez os fanáticos do “humor” compulsório não estejam confortáveis em arquitetar nadinha além da própria satisfação.

Um comentário:

O Blog da Razi disse...

oi, adorei aqui.
estou seguindo me segue?
esta rolando promoção la, PARTICIPA :D
Um beijo
oblogdarazii.blogspot.com