quinta-feira, 5 de abril de 2012

Pés pelas mãos

A gente diz (não diz? pelo menos para si mesmo?) que está “aos pés de alguém”; ou, se é durão demais até para uma metáfora romântica, acusa algum Fulano de estar “aos pés de Beltrana”. E o que se entende por essa posição? Entende-se que o sujeito anda temporariamente viciado na criatura, que anda embriagado da própria sorte, e tem se divertido bastante em brincar de vassalo, servindo a todos os caprichos da dona do tal pé. O apaixonado não vem propriamente amando, e sim curtindo a delícia de se fazer eficiente e necessário. Curtindo a fantasia de servo, de sedutor que move céus e terras, de grande amante que manda buscar a lua embrulhada em celofane e recheada de trufas. Há adoração à(ao) companheira(o)? pode haver; mas há adoração espelhada, em que o sujeito ou sujeita escolhe qualquer indivíduo como álibi para a própria capacidade de se mostrar exagerado, jogado aos seus pés, eu sou mesmo exagerado. Álibi de quem adora um amor inventado para dar vazão à idolatria de si.

Estar aos pés, produtiva e boamente, é o que vemos na lembrança desta Quinta-Feira Santa, em que um mestre lava os pés de seus alunos e amigos sem nenhum interesse de consequência – e, inclusive, sabendo que será traído por um dos cujos, muitíssimo daqui a pouco. Ainda assim se verga, calmamente a executar uma tarefa reservada aos escravos, sem excluir o infeliz que traz pensamento de jerico no coração. O espírito da coisa só não está óbvio para analfabetos de vida. Que ficamos aqui nós, com o nosso orgulhozinho mequetrefe, com a nossa empafiazinha de mosca, com a nossa soberbinha de grilo resmungante, sonegando o mais ínfimo favor a quem quer que não esteja à altura de nossa majestosa grandeza e bondade misericordiosa. Eu – eeeeeeeeeeeeeeu?! –, jogar no lixo a bolinha que ELE atirou no chão, professora?? Eu – eeeeeeeeeeeeeeeeeeeu?... –, telefonar praquelazinha depois do que ela me disse?... Eu – EU!! –, sair da MINHA casa para ir buscar o SEU tio folgado no aeroporto!... Tá bom! Eu!...

Nós. Nós sim, muito nós, nós mesmos, nosíssimos. Nós que também jogamos papel de bala na rua, nós que também dissemos nossas verdades particulares para alguma “ela” (para centenas de “eles”), nós que também abusamos folgados e nos aproveitamos sem-vergonhas, nós que também não valemos um décimo de porcaria nenhuma, ou valemos tanto quanto. N-Ó-S. Adianta virar a cara não, que é contigo. Você enquadrado nesse nós que definitivamente não presta, veja se faz coisa de útil lavando alguns pés – e curvando alguma cabeça e joelhos – metafóricos, colocando-se a serviço de algum amor de ida (mesmo que não de volta), pesquisando alguma cura, varrendo alguma calçada, acompanhando algum dever de casa, ajudando em alguma sacola, pegando algum vestido no tintureiro, prestando alguns primeiros-socorros, salvando alguma humanidade. Você aí: bacia d’água no chão, sabão a postos, toalha no ombro, bora, bora, bora. O tempo não para.

De amor, a nossa vida. A que compensa (sem recompensa). Nossos destinos foram traçados na maternidade.

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