quarta-feira, 30 de maio de 2012

Desejo proibido

Nos Estados Unidos, este maio que termina é o Get Caught Reading Month – mês de, veja só, ser “flagrado” lendo. Verdade que em inglês a expressão não soa tão culpada como em nosso bom brasileiro, mas me diverti com a ideia de leitura ganhando status de um prazer de sombras, libidinoso e esquivo. Identifico-me. Quando criança (e mesmo já na adolescência), via minha mãe sugerir calendários de estudo pensadíssimos, segundo os quais eu me iria colocando a par da matéria aos poucos, dias antes da prova marcada. Eram sábias agendas, e de coração me aplicava em segui-las. Mas cadê. Estudando em ambientes balofos de histórias na prateleira? atracava-me, isso sim, com uns casos de Agatha Christie ou romancinhos da velha Biblioteca das Moças, ou com Rebecas do Vale do Sol ou Pollyannas ou meninos do dedo verde. Nos intervalos enfiava um-dois parágrafos de Geografia, três-quatro continhas de Álgebra, só para não morrer de remorsos literários. Se abrissem a porta estava lá eu, com um livrinho dentro do livrão (nem é para outra coisa que fazem grandes os livros didáticos), escondendo tão pressurosamente um Machado como quem gozasse os folhetinhos de Carlos Zéfiro.

Ainda hoje. Já não tenho logaritmos nem reino monera para enfiar na cachola – e tanta gente com nostalgia da infância! –, mas peco repetida e escusamente nesse prazer solitário. Preciso elaborar prova e lá vou eu me embolar com o eterno Machado. Preciso terminar o exercício de aula no metrô e não resisto a uma rapidinha com Jane Austen. Preciso enxaguar as roupas depois do almoço e me perco numa sesta preguiçosa com Martha, Affonso Romano ou meus muitos meninos do século XIX. Uma sem-vergonhice. Uma cafajestagem. Assumo, e no entanto que posso fazer? culpa deste mundo abestado e esdrúxulo em que vivemos, que todo dia me chega com uma nova safadeza ou uma mais abjeta demagogia, e torna dificílima nossa união compulsória sem o escape de umas traiçõezinhas. Não tem jeito de suportar um tal planeta abrindo mão de dez ou vinte aventuras diárias no colo de outros. Convenhamos. Leio sim, como uma doida furiosa, e assumo meu crime dando cara a tapa. Qual de vós repeliu sempre uma anedota, um romance policial, um conto de jornal ou revista que vos abria amorosamente os braços, hein? hein?...    

Relembro e defendo a máxima que já encontrei num texto aí da vida, e que talvez resolvesse o nhenhenhém de falta de tesão que acomete os alunos: ler coloca a gente tão indecentemente reflexivo, ler nos acorda inteligências tão perigosas, que deveria ser proibido. Aí eu queria ver. Visitas noturnas à biblioteca, sequiosas, sôfregas, exasperadas. Colégios invadidos na calada da matina, dependentes metendo o grampo de cabelo no cadeado da sala de leitura, pra cheirar o pó das edições de boa safra. Que extraordinária lascívia, que desgovernada paixão, que fantástico vício não andaria no mundo, finalmente imerso no mais adequado caos!

Nada como um espelho narrativo de nossas tolices para ver se a gente deixa de história.

Um comentário:

Milena Eich disse...

Pois que se proíba a leitura!