sábado, 19 de maio de 2012

O improvável

Então os azuizinhos levaram a taça da Liga dos Campeões. Quem diria. Na casa e nas fuças do adversário, tomando um gol aos 37 do segundo tempo, empatando em seguida, fazendo pênalti logo no início da prorrogação, defendendo-o em seguida, depois errando bem o primeiro chute na sessão de cobrança de pênaltis, e vendo o Bayern errar dois em seguida. Esteve sempre atrás por alguns minutos, sempre naquele gap que para certas pessoas equivale ao Grand Canyon, mas teve disciplina e sangue frio de não se entregar ao cansaço precoce. Ia reconstruindo a vantagem com paciências de formiga, sem medo nenhum do já-ganhou. Que final bonita.

Alerto que não torço para o Chelsea ou para qualquer outro time dos estrangeiros, e só assisti ao jogo por extensão a um Fábio gamado em futebol que eu tenho. Mas (confesso) quando vi que a coisa andava muito inclinadinha à vitória da equipe alemã, torci intimamente pelos ingleses, como haveria tomado partido dos alemães se fosse o contrário. Só queria ver segurar a taça algum maior azarão; algum J. Pinto Fernandes que não tivesse entrado na história.

Por quê? pela beleza do improvável. Pelo ar fresquinho que sopra do improvável. Gosto de ver ganhar o time que não se espera, o corredor que mais tropeça, a criatura que parte em desvantagem e tem bastante presença de espírito para engolfar o prejuízo, dar um perdido nas estatísticas. Gosto do bilhete de loteria desatando o pescoço do endividado, do cantor mais aplicado (inda que não mais talentoso) abraçando o prêmio da competição, das coincidências esbarrando casais nunca esbarráveis, das químicas de novela bombando personagens impensáveis. Gosto de flor furando calçada, de japonês nascendo de olho azul, de pérolas culinárias sendo descobertas no beco mais próximo, de capa de revista escapando ao assuntão da semana, de dia útil ganhando cinema ou feriado, de aluno esquecido tirando dez balofo na prova. Gosto de pretender um vestido vermelho e me apaixonar na loja pelo azul, gosto de dar com a resposta tão procurada num canto de rua tão qualquer, gosto de escolher tema de texto no desespero e ele virar um mais querido. Gosto de toda inesperice que – sem prejuízo de nossas mais sólidas escolhas, sem perigo ao nosso mínimo de organização saudável – nos invade, nos desarruma, nos pinta o dia de ludismo recente, traz cheiro de pão quente, de café passado na hora. Em que matéria se concebe o amor, senão na improbabilidade das renúncias alegremente escolhidas? De que são feitas literatura e magia, senão de suculentas exceções?

Felicidade é estar dedicado às rotinas com o coração vestido de festa-surpresa.

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