domingo, 6 de maio de 2012

Sou bravo, sou forte

Porque – dizem – hoje é Dia da Coragem no Brasil, lembrei-me do trecho que se não me engano é de Shakespeare, e se não for estou aberta a amáveis correções: “Morrem os covardes muitas vezes, antes de morrerem. Os bravos morrem uma só vez”.

Pois não é? o que diferencia covardes e corajosos é o desgaste interno. Enquanto os primeiros ruminam com dolorosa antecedência cada efeitozinho ruim de cada bom passo, lá vão os segundos muito fagueiros, muito mais descansados na justiça que fazem do que ocupados com aquilo que injustiças lhes poderão fazer. Não é que corajosos não reflitam. Refletem mais que os outros, mais longa e sabiamente – longa e sabiamente o bastante para gamarem na verdade, irreversivelmente na verdade, e acharem que tudo que os separa não passa de poeira a ser massacrada. Corajosos não perdem tempo semimorrendo com a culpa de fazer o certo. Não esganam a autoestima tornando-se filhos dos fatos e não da consciência; não sufocam os sonhos trocando-os pelo cansaço dos desonestos; não pisoteiam o amor-próprio confundindo humildade com servilismo; não cometem suicídio emocional anulando a vontade de ser algo em nome do pavor de deixar de ser tudo. Corajosos sentem, igualzinhamente, o medo humano – porém se resignam a ignorá-lo; escolhem renunciar a ele com a serenidade voluntária dos convictos.

Coragem é, sim, coisa voluntária. Calma. Pensada. Sem excluir o medo, já passou por ele e o incluiu, levou-no bojo. Um corajoso despojado de medo seria apenas inconsequente – espécie de infância da coragem, parecidíssima com a burrice. Não. É preciso que a bravura, sendo autêntica, saiba com exatidão o quanto deixa e o quanto arrisca, tenha pleno conhecimento das consequências e seja desapegada por decisão; que exista de propósito. E que procure, na medida do possível, preservar a mesma vida que sua ação deixa descoberta. A imagem do corajoso kamikaze brilha romântica em folhetim velho ou novo, mas é uma boba glorificação da irresponsabilidade. Corajoso, mesmo, tem total ciência das fitas métricas externas e internas. Sabe medir o perigo como ele se apresenta e sabe medi-lo conforme seus (poucos) temores; enfrenta-o na média dos dois números, no cálculo exato da força necessária, sem transbordamentos de exibição. Corajoso não se exibe. Não tem energia a perder mostrando-se mais admirável que prudente; cada tantinho que gasta em emoções supérfluas é um bocado que falta às grandes precisões. Corajoso é um autoeconomista.

Mas é sem pena e à vista que salda cada dívida, resgatando da poupança sempre um novo "tudo" que sobrou de si.

Um comentário:

OGROLÂNDIA disse...

Coragem é ser brasileiro, levantar todo dia para ganhar a vida numa batalha danada e ainda manter uma média de dois sorrisos por dia.