sexta-feira, 15 de junho de 2012

As grandes ocasiões

Volto às ternurinhas de Paulo Mendes Campos, meu muito querido. Eu lia há pouco uma crônica de fofo aconselhamento, “Para Maria da Graça”, na qual o autor deposita sobre a amiga do título – recém-chegada “à idade avançada de 15 anos” – a dedicatória lírica e mansa que acompanha um volume de Alice no País das Maravilhas. Entre os trechos favoritos, uma seguinte pérola: “Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.”

Não sei Maria da Graça, mas estou com Paulo e não guardo lá muita amizade às grandes ocasiões – sem que com isso me refira aos rituais maiores, casamentos, formaturas, funerais e seus pares: coisa muito boa e necessária. Refiro-me às solenidades de dentro, aos píncaros e abismos em que você se exalta ou se acaba, principalmente se o faz em constrangedora parceria. Pedir alguém em namoro; terminar com data e hora a relação; discutir a relação; procurar a criatura com quem você pisou na bola (ou ser buscada por ela) para a Conversa Oficial de Desculpas; oh! terrores. Desde criança tenho alergia às situações de fôlego suspenso, de pausa com música subindo, tambores rufando. Tenho alergia às decisões demasiado espetaculares, às quebras muito diretas, às rupturas muito mergulhadas, às declarações novelescas, aos lutos extremados, a tudo que nos lance numa experiência de além-nós e traia excessivamente o eu que conhecemos, que nos conhece. Abomino as súbitas adrenalinas. Detesto qualquer agora-vamos-resolver-isso ou briga que bata portas. Detesto diálogo que feche portas (em cada um dos sentidos). Conservo sincero, profundo horror às emoções atípicas, aos confrontos de desabafo, às discussões de imensas verdades, à nudez inclusive de nossos amores e belezas íntimas, talhadas para o canto no banho ou o cismar no travesseiro. Rejeito toda estreia trabalhada no holofote.

E gosto de quê? das continuidades. Das continuidades que deslizam sereninhas nos dias, que puxam contatos e sorrisos e sem-querer-querendo entremeiam perdões, que vêm cheias de convivências atadoras de mãos, desatadoras de nãos; os prosseguimentos que nos permitem compreensões mudas, pazes subentendidas, entendimentos tranquilos. Não tem emoção? não as haja – ou pelo menos não haja as por demais estridentes; que corações como o meu, carne-vivos, tudo já sentem com amplificação bastante. E não exista, por isso, varredura para baixo do tapete. Exista o contrário: tempo para os necessários amadurecimentos sem o peso artificial da página marcada na agenda, sem a quase mentira de uma verdade pressionada. Tempo para a respiração. Tempo para a meditação. Tempo para a digitação. Tempo para o roçar dos medos mútuos e a suavidade indefinida, a fronteira sem vigia das preliminares.

Com uma faísca e um chute no traseiro de vez em quando – que ninguém é de hélio.

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