quinta-feira, 21 de junho de 2012

Cinco letras que vivem

“E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval – uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito – depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado – sem glória nem humilhação.”

Desta vez é Rubem Braga falando, no lirismo generoso e melancólico de sua crônica “Despedida” – tão generoso e tão melancólico como o de todas as demais. Fez-me pensar, naquele pensar-mais-sentindo que se desvia das racionalizações. Porque o que dizem as racionalizações? que devemos ter um marco, um fechamento de ciclo, um ponto-divisa entre fases da vida, como a plaquetinha que nos abraça no limite entre cidades (“Sorria! Você está em Itapindaquamonhagabatuba do Norte!”), e que nos fornece uma bem-aventurada segurança de onde nosso futuro está pisando. Até concordo com as racionalizações: o coração não dorme legal sob o peso de histórias mal resolvidas. Vá. Ele precisa muitas vezes de um episódio, de um encontro, um diálogo, uma flor, um beijo de fronteira, um enterro com discurso e epitáfio, assinalando oficialmente a passagem de capítulo. Sem dúvida. O caso é que “muitas vezes” não é “sempre”, nem o adeus funciona para a totalidade da população como as “cinco letras que choram” de Francisco Alves. Existe chance (não pouca) de o sentimento de obrigação quanto ao encerramento histórico nos inundar de dependência e culpa: no fundo nos bastava a fluidez natural dos dias, mas há medo, há puro medo de não conseguirmos superar a perda sem A Grande Conversa, sem o lenço branco visto ainda do trem que parte, sem o evento com bandinha na porta.

E aí viramos despedicidas: guardamos horror à banalidade, precisamos de bem dirigidos adeuses. Absorvemos a necessidade de cobrir tudo de luzes, enquadramentos e significações de cinema. Casablanca, imagina? toda despedida começa a pedir roteiro de Casablanca. Que injusta pressão pelo final grandioso, quando há corações que só descansam na lentidão do afastamento! quando há nostalgias que só se acalmam no silêncio das coisas paulatinas! quando há términos que só chegam como naquelas músicas cuja última parte vai-se repetindo cada vez menos viva, menos audível, em vez de anunciar-nos numa nota definitiva a ruptura! Quando há, sim – e é preciso respeitar seu haver –, o amor que não é mais frio ou menos cabal por sobreviver das pequenas ocasiões, nem por conviver sorrindo com as grandes saudades!

Abaixo a tirania das efemérides. Pelo direito de existir em voz baixa.

Um comentário:

Juliana disse...

Todos reféns da Grande Conversa. Uma espera vã, contudo.