sábado, 9 de junho de 2012

Fogo que arde sem se ver

Outro dia Arthur Dapieve relembrou, nO Globo, os versos de Gilberto Gil: “O povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”. Foi bom trazer à tona. Verdadíssima. A gente quer o que não sabe.

A gente passa a graduação achando – com o achar emprestado dos prôfis botadores de pilha – que quer fazer mestrado. Nosso caminho natural, naturalidade herdada de todos os séculos pregressos e vindouros, é fazer mestrado. Parece correto e razoável, e o tempo que ainda falta para a formatura nos ajuda a inventar satisfação com o projeto. Tudo flores. Não mais que de repente, o diploma já entregue nos esfrega na parede em clima de dá ou desce, cobra as decisões do longo workshop psicológico. E aí? a incrição? os documentos? o vigésimo sétimo xerox dos mesmos documentos? o tema previsto de dissertação? a linha teórica da pesquisa? é tarde, é tarde, acorda, patativa; cadê?...

“Cadê” que nos acorda tardia e furiosa, isso sim, a náusea visceral do mundo acadêmico e de cada “verifica-se”, “contempla-se”, “acepção”, “hermenêutico” e “epistemológico” que já tenha visto a luz do dia. Enfim e definitivamente, acuado pela urgência, sobe-nos o refluxo desse nojo desesperado, desse tédio letal. Que cargas d’água nos fizeram supor qualquer chance de nos enfiarmos mais tempo nesses corredores encigarrados, se a necessidade básica, premente, é abrir um salão de beleza com a irmã, virar dubladora, criar uma ONG para animais ou cursar culinária em Paris??

A gente passa a adolescência mastigando a certeza, bem-intencionada e sólida, de que abrirá futuramente uma escola de ensino revolucionário – anos depois, tem urticária só de passar em portão de colégio no horário do recreio. A gente tenta ser uma menina default que sonha com filhotes bochechudos – mais dia menos dia, emerge a ânsia de vômito ante a perspectiva de um choro em supermercado ou um DVD da Galinha Pintadinha. A gente procura se entregar à convicção de que planeja alçar o ultimate cargo na empresa – aparentemente do nada, cede ao impulso irreversível de sumir do meio executivo e virar dona de casa. Mudamos? piramos? cansamos? Cansamos indiscutivelmente; porém, porque enfim cansamos de alimentar a verdade importada, assumimos. Assumimos o que tínhamos escolhido não saber, já que saber cria o sério inconveniente de se ter de desviar a rota ou, no mínimo, parar para estudar os novos fatos. Assumimos o que nos era surpresa, o que não estávamos maduros para querer sem olhos contaminados: nosso jeito pessoalíssimo de obter sucesso.

Às vezes somos Donald Trumps porque plenos vendedores em lojinha de shopping, e à vezes mendigos na condição de proprietários amargurados. Às vezes somos palacianos dentro de 50 metros amados em Belford Roxo, e às vezes pedintes em 500 metros fragmentados da Vieira Souto. Às vezes temos família completa no marido, dois amigos íntimos e a tartaruga de estimação; às vezes não encontramos colegas e herdeiros entre as oito criaturas que nos saíram da barriga. Às vezes vivemos magnatas porque nos entornamos sobre o pouco que atingimos por vontade. Às vezes morremos no vácuo porque ficamos trilhardários de tudo que, à revelia, nos quiseram.

Sucesso é pousar no que somos para além do que parecemos. Não fazer vítimas no caminho. E continuar.

Um comentário:

Fabiana Farias disse...

Que texto inspirado. Às vezes, nem com todo esclarecimento, conseguimos escapar dessa necessidade de cumprir as etapas de algum manual do sucesso de vida. Conhecer o que é o seu sucesso é um ato de coragem.