domingo, 17 de junho de 2012

Janelas

Curti principalmente a última parte da entrevista com João Mansur Filho – médico dos inoxidáveis Havelange e Niemeyer –, na Revista dO Globo de hoje. Perguntaram-lhe se a pressão do consumismo afeta o coração, e o doutor indiretamente confirmou, apontando que a mortalidade por infarto aumentara 36% no período recente de maior queda da bolsa. Mesmo quem não tinha uma açãozinha para chamar de sua sentiu o baque, já que tomou pavor de desemprego. Para desviar os pacientes desses exagerados nervosismos é que Mansur sempre lhes recorda “que nosso cérebro tem várias janelas. Quando estamos com um problema tendemos a só abrir aquela janela. Temos que abrir outras: minha filha vai fazer aniversário, amanhã tem futebol, vou passear. Se daqui a quatro anos eu perguntar quais eram seus problemas hoje, você não vai saber dizer 95% deles”.

Teria bom e longo trabalho de convencimento comigo, o doutor Mansur. Não que, racionalmente, eu não concorde 820% com o sistema de ir escancarando janelas múltiplas, para escapar aos desesperos abafados. É sábio. O causo é aderir coraçãomente. Penso todo o tempo, decerto, em alegrias várias, para me ir confortando dos aborreceres. O feriado que vem, a semana que explode em festinha de sábado, o (ao menos) bife de fígado que me aguarda pressuroso no almoço, nham! – sobremesa ante as agruras. Mas não me tornei ainda, ó pena, aquela que areja a concentração de modo tal que não sobra germe roendo as entranhas, no intervalo de duas preocupações; não encontrei o desvio inteiro e definitivo que peterpamente nos invade, que nos voa para Pasárgada e lá nos conserva nuzinhos de lembranças, mansamente puros, limpos, adões e evas ao contrário, tornados à inocência e desembocados direto do choro e ranger de dentes para o éden automático.

Isso não sei. Por mais que me agarre às expectativas felizes, conservo eterna uma melancoliazinha de fundo, focada na amofinação da hora ou na permanente – a tristeza de desestimação. Trabalho, por exemplo. Trabalho é coisa que só sigo tolerando com todas as 5.437 janelas descerradas de par em par, arreganhadas quase psicoticamente, e ainda assim permanece inexpulsável o cheiro de mofo. Sobrevivo; sobrevivo bem até; porém vou lidando com a ferida que completamente não sara, que sangra contínua em suas erupções tão fortes como bissextas. Cismas de saúde (saúde financeira e amorosa inclusive), quando as há: infernos de teimosia. Não existe filme visto nem dia amanhecido nem noite anoitecida nem sonho sonhado que me distraia de maneira absoluta. Mora sempre, no canto do riso, a pulga que também se recreia atrás da orelha.

Porque não deixam de ser isto, os melancólicos: perfeccionistas de vida. Criaturas que não sabem, tanto quanto queriam, delegar-se ao tempo e respectivas providências. Criaturas pouco capazes para o ruim e menos ainda para o irremediável, orgulhosas demais para não suspeitarem da alegria.

Quem souber a cura, que não tarde e se chegue. Há de achar cortina e coração abertos.

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