sábado, 2 de junho de 2012

Nós na fita


Casamento da ex-vizinha de prédio do Fábio, daquelas que só conviveram até os doze anos. A desculpa perfeita para reconvocar velhas fitas – agora adequadamente DVDzadas – com festinhas realizadas no play, agregando criançada de todos os apartamentos. Divertido. Minhas, mesmo, tenho fitas poucas (ainda não convertidas), e só as de filmagem externa contratada: primeira comunhão, quinze anos, formatura. Não havia viv’alma no entorno que pudesse emprestar uma câmera, ou muito menos algum Duarte com intimidade de manejá-la. Carecia não. Dificilmente eu revisitaria minha própria infância, eu que mal posso esbarrar na reprise do Globo de ouro sem afundar perigosamente em bagunças temporais. Mas pego carona nessa cauda de cometa, nessas festas de outrem tão minhas contemporâneas, nesses instantes que (sem os frequentar) partilhei em época e espírito.

Lá está a agora noiva Viviane, botinha, trancinha, cinto de tachinha, rebolando xuxamente com a parceira de danças – igual estrutura física à de hoje, os mesmos olhos de sorridente ressaca. Lá está o menino mais velho do time incentivando meu cunhado quatro-anito a enviar caretas para a filmadora, e denunciando desde sempre a paciência com crianças que o tornaria o atual pai de família. Lá estão os meninos muito controlados pelo pai durão, olhar comprido de quem queria brincar mais do que consegue: nuvens familiares se formando. Lá estão meus sogros já distribuindo cuidados e amores; ali o avô do Fábio ainda vivo, quietinho e reservado como o neto (aparentemente) seria; acolá a priminha com meses de vida, preparando o olhar esperto para capturar o Mickey noivo que joguei no casamento. E o Fábio, ele próprio, ele especialmente, já anunciando numa discussão sobre personagens: “sou mais o Tio Patinhas!”, ou descarregando na mesa de totó a gana futebolística que lhe nascia furiosa.

Emociona-me rever essas infâncias, não sendo as minhas embora, pelo mergulho em algumas origens e prenúncios; pela constatação de que algumas coisas que são – parecem ter sempre sido. Por outro lado, pulam diante dos olhos criaturas que insinuamos ser e já não somos, estranhezas que entretanto nos pertencem, surpresas de nós para conosco; há flagrantes de outros alguéns em nossa imagem, ali dentro alguém que viveu em tempo específico e nos abandonou quando foi adequado, deixando-nos na ilusão lindinha de nossas coerências. Existem alguéns em gestos imemoriais, em brincadeiras impensadas, em danças jamais cogitadas, em gargalhadas nunca repetidas, que em lugar algum encontraremos senão nas gravações – nas fotos, nas amarelices de diário – traidoras do ego. Somos, sim, quem conhecemos e decidimos; mas somos também desejos e lamentos e alegrias que num canto qualquer se alojaram de nosso quartinho de despejo, e provavelmente não partiram sem largar cartão de visita ou madeleine possível. Há um mapa. Há um X. Há um raio ou shazam que lancemos, uma canção que recitemos, um cheiro que pressintamos.

Há um play filmado, um play pressionado. E voltamos para nós.

Um comentário:

OGROLÂNDIA disse...

Com o clima de nostalgia se instaurando não consegui ir até o fim da postagem! Ainda não aprendi como lidar com a passagem do tempo e qualquer tipo de texto dessa natureza me dá um nó na garganta!