terça-feira, 26 de junho de 2012

Perna curta

Agora a Nina da novela das 21h deu de se chegar ao comparsa de sua arqui-inimiga – comparsa este que a depositou carinhosamente no lixão, quando era pixotinha de uns oito anos. Em seus planos de vingança mais alucinados, a guria desce à hipocrisia fanática de bajular e idolatrar os adversários como se nada mais existisse que não eles sobre a terra, e aí justamente está a maçada. Com cada ser enganado, precisa criar um universo próprio. Para cada freguês ela é uma criatura que sabe ou diz verdades bem específicas: aos olhos de Carminha, vem a ser a joana-ninguém de fidelidade canina, fidelidade quase psicótica, história sofrida e talentos angelicais; para consumo de Nilo, é a filhinha grata ao papaizinho do lixão, embora fera ferida e raposa cruel; sob apreciação de Max, é a parceira safadjenha sem muito escrúpulo de seduzir o filho da patroa ou o marido da amiga. Mesmo entre os seus a gata desliza oscilantemente: é a namorada triste e complicada de Jorginho, a irmãzona doce e admirável de Ágata, a amiga desarmada e estrategista de Betânia, a musa suave e misteriosa de Tufão. Sobretudo a filha intensa, ressentida de Mãe Lucinda; a que ainda em imensa cumplicidade se entrega aos cacos, em fragmentos de emoção doentia, em restos mortais de sentimento.

OK, somos todos múltiplos, e necessariamente diferentes no lidar com uma pessoa ou outra. Faz parte. Mas há em Nina o ultimate cruzamento de mentiras, a teia esquizofrênica de discursos que não pode dar em boa saúde. Quem lhe sabe uma parte não deve saber a seguinte. Quem, na casa, sabe que ela é amante de Jorginho (Max) não consegue saber que sua fidelidade real é a Tufão. Quem sabe sua fidelidade real (Tufão) está impedido de saber que ela é amante de Jorginho. Quem sabe sua identidade e motivos de vingança (Jorginho) piraria se soubesse todas as peripécias em companhia de Carminha. Quem sabe todas as peripécias (Carminha) enlouqueceria três mil vezes se a desconfiasse amante de Jorginho, fiel a Tufão, sedutora de Max, filha de Mãe Lucinda, arquiteta de vingança e, pior sobre os piores, verdadeira Rita. Afora os outros zilhões de saberes-não-saberes que compõem esse mafuá do malungo. Que chance há de vida minimamente habitável nos intervalos entre os diálogos da tragédia?

Reconheçamos: somos Gollums – ou Gollums forçosamente viramos quando a violência extrema ao eu nos altera as entranhas. Sabe Gollum, que nO senhor dos anéis começou a existência como um normal e inocente Sméagol e, após entrar na posse do anel mais poderoso da Terra Média, foi consumido pela ambição até se transformar, fisicamente, numa criatura de horrorosa decadência? Pois é. Mentiras são nosso Anel; mentiras nos fazem internamente comer-nos e roer-nos, nos devastam pela energia exigida para equilibrar mundos, nos exaurem pela atenção sempre alarmada de receios. Mentiras nos põem na corda bamba da bi(ou tri, ou tetra)gamia psicológica, nos chupam a liberdade de escolher a companhia por gosto e não fuga, nos entrecortam a respiração mental com estresses que se somam aos inevitáveis. Mentiras nos demandam existir no mínimo em dobro; encaixar pelo menos 100% a mais de mundo onde mal e atropeladamente nos cabe um, aquele de um tão assoberbado todo-dia. Mentiras nos violentam a inaugurar novos pensamentos quando mal finalizaram os originais.

Convém preferir a verdade. Nem que seja por preguiça.

Um comentário:

OGROLÂNDIA disse...

Hoje em dia não se pode falar que mentira tem perna curta.
É bullying com a mentira!
Beijogro