sexta-feira, 22 de junho de 2012

Suflês de chuchu

Não precisa vê-lo para sabê-lo. Quem tem anteninhas de vinil razoavelmente atentas e calibradas já ouviu falar no Larica total, programa do Canal Brasil em que Paulo Tiefenthaler vive um chef da (so-called) “cozinha de guerrilha” – pratos inventados sem frescura, na solidão atabalhoada, no atropelo criativo da fome macha. Pois descobri em Segundo Caderno recente que o ator pretende homenagear o chuchu (para ele, “um eterno injustiçado”) no episódio do dia 17 próximo. Pipocam e sobram ideias de aproveitamento fácil do legume: com creme de leite, com carne moída e arroz integral, com ovinho frito por cima. “Chuchu é bom porque não incomoda, não desequilibra”, defende Paulão na simpatia pura. Verdade. Quem não gosta do cujo pode alegar falta de personalidade, tédio, insossice, mas não houve nem haverá criatura capaz de execrar o pobre porque o sabor lhe é excessivo e enervante. Chuchu, quando muito, desagrada por timidez a quem busca ousadia; não se sabe que tenha jamais sido pego em flagrante desacato.

Tenho cá meus afetos ao chuchu, até por gratidão histórica: na gravidez de mim, Mãe enjoava tanto que às vezes só ele descia na goela – o que já depõe a favor das boas vontades e bons préstimos do legume de paladar mansinho. Minha ternura pelo chuchu é, pois, também conceitual; tanto quanto o apresentador do Larica, considero-o subestimado pela cultura do aparecismo, da machice-alfa, na qual seres destituídos de agressividade e picância passam por insípidos. “Aquela lá é uma sem-graçona”, afirma o público sobre a bebebê tranquila que ainda não armou barraco com ninguém da Casa. “Não fico com ele de jeito nenhum, duvido que tenha pegada, é um suflê de chuchu”, protestam as moçoilas a respeito de rapazes discretos que ainda creem em “por favor”, são fãs do “com licença” e jamais tentariam algo que envolvesse hematoma e puxão de cabelo. Vão à posteridade então assim, como suflês de chuchu, os que cometem a imprudência de investir na autenticidade macia em lugar da autoinvenção histérica.

Pois viva o suflê de chuchu. Viva o colega de trabalho que dá suporte objetivo, eficiente, sem deitar em burocracia amplificadora de necessidades. Viva o jogador que não ganhará estátua porque prefere a comovedora simplicidade de ceder o passe a outros talentos. Viva o parente que não presenteia as maiores, as mais coloridas caixas, e no entanto oferece precisamente o que cobre as pequenas (negligenciadas) demandas. Viva o dia sem pesares nem exageradas alegrias – que essas também estressam, de cobrar sorriso interminavelmente pronto. Viva o parceiro que em tudo sabe acompanhar com o mesmo sabor moderadamente próprio. Viva a comida de hospital, que sacia a fome sem suscitar apegos. Viva a blusinha branca que em tudo encaixa, viva a meia-temperatura que tudo permite, viva a melodia que não se embola na atenção à tarefa, viva o sofá cinza que não se atraca com decoração nenhuma, viva o ombro que o escuta sem dirigi-lo, viva o chefe que o valoriza sem sobrecarregá-lo, viva o livro que o entretém sem sequestrá-lo. Viva tudo aquilo, viva todo aquele que existe pela vocação de chover harmonia neutra e fresca.

Viva toda suavidade que não se considera mais existível que os outros.

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