terça-feira, 3 de julho de 2012

A causa secreta

Li por aí de alguém que, recordando a infância, admitiu: quando fugia de fazer coisa errada, não era por medo da bronca do pai – era de receio afetivo de decepcionar a mãe. Uma verdade bonita. Inda que Maquiavel tenha concluído como melhor, como mais garantidora a capacidade de ser temido, isso é negócio que se escoa em raiva, que finaliza fácil (ou difícil) tão logo o ser amedrontador suma do posto de vigilância. Não se atinge o objetivo de estabelecer bom hábito, antes se reforça a fome do extremo oposto: se papai me espanca de cinto por sair de saia três dedos acima do joelho, não vejo a hora de me pirulitar de casa num modelito que é só o cós. Inexistindo convencimento, motivo, persuasão, inexiste permanência. Medo prossegue um tanto de tempo; trauma prossegue um bom tanto de vida; mas mesmo o pavor se trata e se esgota, sem deixar obra que mereça segunda olhada. A motivação carinhosa, não. De amor ninguém fica curado.

É-se às vezes separado por morte, por distância, por divórcio: o que nos foi implantado, se houve amor e respeito houve, permanece. Permanece o senso de que Mãe – lúcida ou falecida, viva ou inconsciente – não aprovaria a matação de aula no curso, não nos reconheceria xingando o outro motorista, faria careta pro boicote ao regime, faria tsc-tsc pra lorota contada ao filho. Permanece a ciência de que o mestre preferido nos puxaria a orelha por causa da vocação estagnada, estrangulada. Permanece a vozinha da avozita segredando no ouvido, “vai com calma, minha filha, é com mel e não fel que se prende mosca”. Permanece a convicção de não ser assim, taciturnos e desenxabidos, que nos quereria ver o caçulinha (partido tão precocemente). Permanece a certeza de não ser nesse desmazelo que nos quereria reencontrar a doce Maria Clara (namorada tão antigamente). A vontade de agradar a nossos amores de elite, o ímpeto de não decepcionar a nosso histórico de olhares, a nosso staff de afetos, a nossa banca de queridos julgadores – permanece. Permanece a lealdade aos ídolos emocionais. A esperança de não constranger as referências. O sonho de fazer jus ao sobrenome. De não trair a herança construída. De não jogar fora as expectativas depositadas. As predições favoráveis. As previsões otimistas.

O que tantas vezes nos salva a integridade é não conseguirmos existir sem filial.

Nenhum comentário: