domingo, 15 de julho de 2012

Futuro autônomo

Em sua última coluna nO Globo, Alberto Goldin responde à consulente Júlia, que namorou Marcos na adolescência (“um namoro conturbado pelo ciúme e pela insegurança”), terminou, continuou sendo procurada por ele anos a fio, não cedeu. Enfim, uma década de gangorra depois, resolveu dar uma chance – e aí foi hora e vez de o Romeu tirar o time de campo. Como desatar o perrengue? Goldin explica que o casal teceu-se em mal-entendido e descompasso: “Desligados do calendário, vivem anos sem urgência. Júlia não precisa decidir nada, já que a oferta de Marcos sempre é renovada. Presos a uma armadilha e reféns de uma mútua propaganda enganosa, habitam um mundo que não abre espaço para novos personagens. [...] Estão viciados em esperar um futuro autônomo, que chegará sem arriscar decisões pessoais”. Assim que Júlia passa a querer, Marcos desquer; alguém ousar um passo no xadrez destrói a estrutura perene, contemplativa da princesa que “borda no seu castelo” e do cavaleiro que “circula diante da sua janela”. Antipinóquios: marionetes que se quedam sem um sonhozinho de ser meninos de verdade.

Esperamos, muitos, um futuro autônomo; é tão macio, é tão consolador dormir na sombra dos dias, dos mormaços de juventude, preguiçosos e longos – esperanças compridíssimas que não acabam mais em décadas que nos invadirão milênios à frente, quer queiramos ou não. Tão delicioso crer em alegria como se crê em chuva, fenômeno da natureza que abraçamos impotentes; tão extraordinário ganhar de berço o ticket de esquecer a expulsão do Éden, de postergar ad infinitum o “pão com o suor do rosto”. Vários, sim, querem ser jovens pela energia de construção: mesmo aos atropelos de vontade imatura, escolhem um desejo de infância e o perseguem, e o perseguem, e o perseguem com apaixonada turronice. Outros, no entanto, são esses que se preferem jovens como quem segue a velha máxima de acordar cedo para ficar mais tempo sem fazer nada. Preferem-se jovens porque têm mais tardias urgências, menos necessárias proatividades; podem aguardar a oportunidade de ouro no mercado inventado 47 cursos por ano, de costura a mecatrônica, sem a chatice da escolha faminta e obrigatória; podem dilatar o prazo do amor como se gusta encastelando os medos num ideal romântico impraticável, liberado das guerras da realização. O futuro, para um futurista autônomo, nada tem com méritos e consequências: chega para todos com igualdade injusta, direito adquirido. Já existia integral em si mesmo, pleno, eterno, apenas em certo momento baixado da pátria onde nasceu sem parto. Existia como útero que há de receber qualquer um que de útero saiu.

Quem vive não faz hora, faz as horas; não espera o arquivo descer.

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