terça-feira, 10 de julho de 2012

Só sei que algo sei

No metrô, admirando a cena. Mãe e filhinho. O guri a contemplava embevecido, sem grandes interesses que não lhe espalmar as mãozitas no rosto, sentado de costas para o geral do mundo. Ela, não por incômodo (porque abundava carinho paciente), tentava de todo jeito conduzir-lhe a atenção para outrens, para os tantos encantos mostráveis e apontáveis. Fazia gosto visível em indicar ao pequeno as normalidades que para ele eram jovens maravilhas: letreiro da estação, composição correndo paralelamente, movimento na plataforma. Gosto visível – era isso que eu contemplava – gosto visível em ensinar.  

Feliz ou infelizmente sofremos disso. Todos. Todos – muito além daqueles que temos esse impulso como profissão, daqueles que passamos meses e meses no esforço de enfiar alguma coisa em cabeça alheia, numa labuta de cinzel. Ninguém no planeta foge incólume à mania de ensinar. É inato, para empurrão contínuo da espécie. Compulsão: em pequerruchos, atochamos os pais com esclarecimentos sobre séries só de nós (achamos que só de nós) conhecidas, dados fartos sobre a vida pessoalíssima de coleguinhas, macetes preciosos sobre a passagem de fase no Playstation, detalhes sórdidos sobre a dissecação de sapos na escola. Em crescendo, não escapamos à sina de explicar Geografia pro primito que agoniza antes de levar bomba, à fome de mostrar fotos de lua de mel com minúcias discursivas sobre os lugares, à síndrome de professor que nos acomete quando ousam, do nosso lado, errar nome de rua e música e novela que nos são íntimas de infância. Só nós lembramos o ator que fez o personagem, só nós entendemos a fundo a situação econômica, só nós conhecemos a vida pessoalíssima do galã da hora, só nós temos no topo da língua o endereço do melhor macaron de Paris. Só nós, um segundo que seja, uma partícula de instante que seja, sabemos; em consequência, só a nós ora veem e escutam; só nós somos então – e por isso se movem continentes e oceanos, dinastias e gerações – absolutamente necessários. Guardar a micrologia certa, na hora certa, para o público pedinte de ser saciado: eis o que nos junta as pontas da vida e a justifica.

Navegadores fomos feitos. Só existimos de verdade no transbordamento.

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