terça-feira, 23 de outubro de 2012

As que ainda estiverem abertas


Fui assistir a Moonrise kingdom. Esquisitamente fofo. Tem toda a bizarrice poética da filmografia de Wes Anderson (Os excêntricos Tenenbaums, A vida marinha com Steve Zissou e demais estranhezas coloridas), porém não transborda: coloca seu exotismo a serviço da história de amor bonitinha entre um escoteiro órfão e uma leitora depressiva – dois desajustados sociais de 12 anos, problematizados, impopulares, que só mutuamente fazem sentido. Sam e Suzy fogem de seus núcleos, porque fugir é a chance inteligível a corações de 12 anos, limpos de quase toda convenção. Mas uma das cenas mais tocantes acaba sendo aquela em que um casal já exageradamente adulto suspira sua vontade e impossibilidade de fugir. Ela (que, por sinal, tem um caso de anos com o policial vivido por Bruce Willis) faz um pedido de desculpas ao marido. Ele pergunta por qual ferida ela está se desculpando. A mulher devolve com a fala mais precisa do roteiro, apesar da aparente vaguidão: “Por todas as que ainda estiverem abertas”.   

Porque há sempre as ainda abertas. Não sabemos, mas existem os que muito grandemente não nos perdoaram pela implicância feita nos idos da sexta série, de onde veio o apelido (odiento) até hoje arrastado. Ignoramos, mas moram na esquina de nossa mesa no trabalho os que tão magoadamente nos olham pela indiferença até hoje insinuada. Desconhecemos, mas andamos produzindo alunos até hoje ressentidos da resposta; irmãos até agora emburrados de ciúmes; filhos até recentemente transtornados de injustiças engolidas; amores até então desgostosos das críticas distraídas. Impossível irmos vida afora sem arranharmos lataria alguma, sem danificarmos qualquer suscetibilidade num esbarrão de TPM, sem quebrarmos nenhuma vidraça numa escorregada de banana, num tom que saiu mais áspero que a encomenda, num adjetivo que foi menos feliz que a intenção, numa ausência cujo peso subestimamos pela própria modéstia. Quase impossível, pois, não termos largado aí no mundão uma hemorragia ainda ativa, filha nossa – filha não menos legítima que as herdeiras da crueldade calculada.

E por isso nos desculpemos. Ocasionalmente. Não custa fazer, de tempos em tempos, essa dedetização dos erros involuntários, que foram dar cria em ninhos desconhecidos. Não custa desbaratizar as mágoas que, sem querer, semeamos em terreno perigosamente fértil, dado a agonias profundas. Querida, perdoe pelas confissões incertamente sinceras acerca de seu peso; querido, releve as bufadas de paciência irrefreável que escaparam durante o futebol; colega, desconsidere qualquer dureza que se mesclou, indevida, ao feedback do projeto; amigão, esqueça todo comentário pontiagudo que eu venha a ter parido por ignorância. Desculpe a falha. Desculpe a fala. Desculpe a falta. Desculpe o gesto. Desculpe o gosto. O mau gosto. A sugestão. A opinião. A zoação. Com ou sem intenção. 

De coração.

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