quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Que você tenha a quem amar

2012 já deu o que tinha de dar, anda com a corda no pescoço e só falta a musiquinha natalina da Leader chutar o banquito. Selar o fim. Nessas épocas – não inteiramente perfeitas apenas porque existe um fevereiro nos arredores –, cismo de lembrar a canção do Frejat que, certa feita, foi usada num comercial como mensagem de festas. É linda, linda, aquela “Amor pra recomeçar”. O que mais me toca é, a cada refrão, a voz repetir decididamente: “Desejo/ que você tenha a quem amar...”. Note-se a mais que acertada prioridade; que você tenha a quem amar, não que seja necessariamente amado. Ser amado é quase essencial, mas menos urgente. Importante, mesmo, e coisa que se queira ao filho único, ao melhor amigo, à prima preferida, é ser agraciado com a capacidade de super-humanamente importar-se. Como se nossos votos fossem: “que sua vida amanheça todo dia fazendo sentido”.

Isso me recorda também uma cena do último capítulo de Laços de família – não sei se já a mencionei aqui. É quando Miguel, o livreiro fofo interpretado por Tony Ramos, conversa com a filha Ciça sobre sua atração quase unilateral pela Helena de Vera Fischer. Ciça está revoltada com o descaso de Helena, e Miguel a repreende assegurando-lhe: se ele tivesse de escolher entre não amar e não ser amado, ficaria com a segunda opção, pois até amar sem grandes esperanças o preenche tão balofamente como nenhuma paixão recebida sem gosto poderia. Superfico com Miguel. Não sermos amados tem a inconveniência de nos fazer sentir porcarias; não amar gera a extrema chateação de nos tornar uma delas. Desprecisando, naturalmente, que seja amor de homem-mulher. Pelo filho, pelos pais, pelo enteado, pelo grupo de amigas-irmãs, pelas irmãs, pela bisa velhinha, pelos doentes assistidos na ONG, whoever: amor (que valha o nome) é bicho fundamental de existir, e único que nos faz bichos aceitáveis de viver. Prova que sofremos de humanidade em alguma instância. Que somos criaturas aptas a realizar o exercício básico de transferir nosso centro um tantinho mais para fora, mais para a esquerda. De outro peito.

Não ser amado é uma queimadura na autoestima; não amar é a implosão (por overdose ou por desuso) da própria. Não ser amado produz um coração sedento; não amar fabrica um esturricado. Quem ainda não achou espírito que o acolhesse pode gastar os dias aprimorando o merecimento; quem jamais encontrou um alguém merecedor pode afundar em avalanche de indiferenças. Não receber é perda passageira, nunca doar é mutilação permanente. O não amado é esperante, portanto fértil; o não amante é desistente, por isso estéril. O não amado ainda busca, se acrescenta, deseja. O não amante encerra. Se encerra.

Quem não sonha aonde ir não melhora o caminho. Só com vontade de amor existindo, para haver pontapé de recomeçar.

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