sábado, 10 de novembro de 2012

A educação pelo belo

Faz 253 anos que um 10 de novembro deu à luz Friedrich Schiller – poeta e filósofo alemão que conheci como autor dos versos transformados por Beethoven na minha tão favorita “Ode à alegria” (música de festa e força que, em lugar da “Marcha nupcial” tradicionalzona, deslizou-me de branco até o altar). Qualquer ser humano capaz de parir uns tais versos sobre a alegria deve ter, no mínimo, engravidado de um universo. Pois Schiller foi fecundado de pelo menos dois. Bom romântico que era, manteve também um caso perpétuo com a formosura das coisas – e, em suas Cartas sobre a educação estética do homem, ao filosofar decepções quanto à violência da Revolução Francesa, deu o pitaco definitivo para corrigir o desastre: só é possível elevar o caráter moral de um povo tocando antes suas almas com a beleza.

Não preciso dizer que concordo com o poeta, que mais do que concordo com o poeta, que pretendo ir com o poeta ao Ministério Público a ver se implantamos a ideia como obrigatória. Se implantamos a beleza como obrigatória. Convenha comigo o leitor: há possibilidade, a mais tenuamente remota, de alguém ser amaciado a ponto de receber os primeiros fundamentos de gente – senão pela beleza? Beleza é ar para as fibras, é aragem para o solo, é procedimento mais inicial para qualquer pretensão de cultivo. Quem persuade o bebê a aceitar a devida nutrição, além do aveludado e perfumado do seio? Quem convence a criança inquieta a receber a noite, a abraçar o sono, além do acalanto modulado pela suavidade da mãe, ou da literatura de encantos despertados pela voz do pai? Quem nos mete mais graça no corpo do que a visão das bailarinas, das palmeiras e dos cisnes? Quem nos faz mais receptivos ao ideal do que o encaixe perfeito dum bom discurso? Quem nos torna mais empáticos que a poesia? Quem nos bota mais modestos que o oceano? Mais serenos que cheiro de chuva? Mais ternos que parto de bezerrinho? Mais tolerantes que ópera?

Não falo da beleza condicionada a preços e consumida a prestações, beleza de plástico, beleza de quatro gigas ou quatro rodas, criada em laboratório para seduzir a horda dos não corretamente sensibilizados. Falo da beleza que é anterior à vontade, que é a habitante mais nativa de todas as terras, que só escorrega da natureza para residir nas inteligências, nos amores, nos atos, nas histórias, nas artes, nas culturas. Falo da beleza inencontrável em shopping, divorciada de quaisquer cobiças nossas, pura e solene em si mesma, moradora do acaso mas visível de propósito. Essa, só essa beleza imperecível amacia a gente para ser gente como o martelinho prepara a carne para acolher tempero. O convívio com a beleza nos amamenta de tamanha fartura que sobra pouco dos instintos primários, a parte besta-fera a ser eternamente engaiolada de humanidade. Humanidade é, enfim, nada mais que isto: o máximo de beleza acolchoando a azulejaria de lixa com que nascemos.

Humanidade é amar no outro o que pode polir nossas garras originais de fábrica.

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