sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A primeira flor

“Quando tudo for pedra, atire a primeira flor”, li contentemente no Face agora há pouco. Quem dera. Em oito palavras e um estender de braço, resolvia-se o mundo. Claro, sempre nascerão os bélicos, os viciados em complicar com exagero para terem o pretexto de resolver na paulada e despressurizar as frustrações. Mas nossas vovós já juravam que quando um não quer, dois não brigam – e se o ditado é velho a resolução é novíssima, estalando de fresca. Nada espanta mais ineditamente os raivosos que a tranquilidade sensata. Pacifismo é o eterno moderno.

Quando o grupo estacionar a conversa em torno de como aquela atriz anda piranhando por aí, quando interromper o fluxo de ideias para chafurdar em boataria autocomplacente, seja o primeiro a balancear o tema lembrando que essa, essa mesma, visitou aquele hospital de câncer infantil no fim de semana, quantos da roda foram lá plantar iguais alegrias? Quando a vizinhança assentar de ter antipatia unânime pelo novato do 307, tão absorto em solidões que se esquece de cumprimentar no elevador, seja o primeiro a crer em segundas chances levando-lhe à porta uma fatia da festa. Quando a batida no trânsito calhar de ser num bélico que só precisa de um “isso” para lhe esbodegar a vida, seja o primeiro a sacar o número do seguro, do advogado, do guincho e, possível sendo, do táxi e do almoço. Quando o chefe vomitar injustiças de momento, seja o primeiro a bater em retirada com o melhor dos sorrisos e deixar que só a fonte da fúria cause ressaca em si mesma. Quando a turma puxar perseguição, deboche, descaso, vacilo, fofoca, propina, quando as intenções forem de bully, quando o clima for de exclusão, quando as nuvens sussurrarem pretensões de chumbo e se fecharem em cinzento de batalha, quando o mero encostar na pedra for tudo que se aguarda para principiar a avalanche – seja o primeiro a chegar de vontade limpa, a se revelar com boa-fé voluntária, a declinar da zoação temerária, a recuar da provocação infértil, a não se apossar do xingamento feito na febre, a não prosseguir na tolice engatada no susto. Seja o primeiro a desconfundir o suposto servilismo e a valentia de não se calcar em opiniões neanderthais. Seja o primeiro a diferenciar o falso puxa-saquismo e a gentileza de não se aprisionar em impressões de encomenda. O primeiro a não comprar guerra de ciumentos e machinhos-alfa. O primeiro a desprezar teorias – sobretudo práticas – de conspiração. A escolher lealdade contra todas as cusparadas. A optar por lucidez sobre todos os preconceitos. A estar. A permanecer. A oferecer.

Deixa-disso é ninharia. Quando a coisa apertar, seja o primeiro da turma do tô-contigo.

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