quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Histéricos

Outra da Revista, desta vez pinçada no “Entreouvido por aí”. Eis que uma mulher foi flagrada declarando para outra: “Eu não posso ter filho, sou histérica”. Ri, evidentemente, mas me assombrei do tamanho acerto filosófico que o lapso cômico produziu. Verdade que os estéreis não podem gerar menino; quantos histéricos, entretanto, sabem fazer viável a existência gerada, ladrilhando-a de uma paz mínima, de um conforto emocional rudimentar? Histéricos, se têm a fertilidade possível, sofrem da esterilidade prática de quem vive sem doçura que torne o terreno próprio para cultivo.

Porque vejamos. Por pouco enervados que sejam os pais, há filhos de alguma forma isentos dos estresses de abandonar o útero, de recepcionar uma cólica ou um dente, de administrar uma fome ou uma assadura? Principiar a viver, com todas as suas febres, é necessariamente traumático; em conseqüência, crianças precisam ser nascidas para quem as saiba consolar da aventura dolorosa, precisam estar na equipe que mais serena e eficientemente lhes faça pit stop durante a corrida, em vez de se afundarem em caos atarantado. Pais são as almofadas acessíveis, os berços principais, as incubadoras de personalidade futura, os modelos eternos de civilidade, os engenheiros das fundações. Se não erguem o prédio, fornecem ao menos o prioritário dos cimentos; se não desenham o projeto, providenciam papel limpo e fresco; se não têm a autoridade de esculpir, no mínimo fazem cada generoso polimento e cada acolchoado de embalagem. Pais histéricos dançam na incapacidade crônica de conciliar o equilíbrio de suas obrigações com o extravasar alucinado de seus egoísmos.

Já que histeria como estado de espírito, e não situação clínica, é sim egoísmo. O superior egoísmo de espezinhar a dor do outro com o escândalo das próprias dores. Histéricos não ouvem, porque estão embevecidos na autoescuta de reclamações infindas. Histéricos não acalmam, porque se encontram mais ocupados em convencer os filhos a não os tirarem do sério. Histéricos plantam culpas, porque persuadem a prole de que ela, e só ela, pode ser responsável por suas enxaquecas. Histéricos economizam conselhos, porque trocam a suavidade que acolhe pela reação que grita. Histéricos afastam. Histéricos assustam. Histéricos são crianças birrentas superdesenvolvidas que não dão direito de resposta ao mundo. Histéricos não param de retrucar para ouvir as perguntas.

Histéricos não são terra onde se plante gente. Corre-se o risco de a espécie (a) vingar.

Nenhum comentário: