domingo, 4 de novembro de 2012

Matemáticas

“Como eu vejo os problemas de Matemática: se você tem 4 lápis e eu tenho 7 maçãs, quantas panquecas cabem no telhado? Resposta: roxo, pois os extraterrestres não usam chapéus em dias de ameixa dourada.” Surgiu-me essa bobagem no Face, eu ri, ri, enxerguei-me lindamente e compartilhei. São velhos os meus não-entendimentos assumidos com toda espécie de numerações; lembro-me da revelação nítida, da epifania: eu com seis anos inocentes, primeiras continhas sobre a carteira de escola e o sentimento desgostoso, o pensamento ressentido. Ali, aos seis brevíssimos anos, previ tudo. Eu odiaria Matemática. Eu nascera para odiar Matemática. Para morrer de tédio entre seus cálculos esfarelentos, limitados à secura da resposta, quando em volta havia tanto que ler, rabiscar, colorir sem tão exatas fronteiras. Números são ditames de mundo, bem sei, não discuto; um ser humano há que ser capaz de quantificar suas áreas, de compreender seus lucros e déficits, de proporcionar suas substâncias, de parcelar com inteligência suas já feitas burradas no cartão de crédito. E há que começar cedo. Mas a consciência de agora não consola a revolta dos seis anos coitadinhos, indiferentes aos trocos e porcentagens futuras, chafurdados somente no encantamento líquido das letras e cores. Não consola a pressa de alegria, de opções, que se tem na fase das primeiras aventuras. Infância é a lua de mel com o planeta. Infância não é estado de espírito matemático.

Cresci meus seis anos, noivei por todo o sempre com a leitura e expandi o inconformismo ante problemas de lápis e maçãs, que se complicavam, perversos, e definitivamente não eram da minha conta. Mais que amofinantes, os números apareciam rijos, rígidos, tesos como guardas da rainha, sem dar direito a uma só piscadinha no resultado: raiz de três não era raiz de três sobre dois, 4,6 não era 4,7; horror injusto. Sem diálogos nem meios-certos. Com as letras não. Vinham escandalosamente despudoradas, flexíveis de dança, torcíveis, manipuladoras, vestidas de olhos de Capitu – delícia de meninas más. Por menos que se fosse agudo na resposta, sempre havia a enrolada básica, as palavras-chave, bonitas, cheirosas, e o psor ou psora caía seduzido(a) pelo mais aproveitável trechinho. Não se sabia determinado fato, determinado motivo? dava-se jeitito de contar tudo, com disfarces, desde “no princípio era o caos” até o fim da Segunda Guerra: eis resolvido. Alguma ou algumas partes salvavam a nota. Sem fórmulas, só 4,7 gramas de lábia e outros tantos de básico entendimento. Mas os números, os números incorruptíveis – quem os persuadia a descer da pose para o auxílio das habilidades desvalidas?

Uma só parte das exatas tinha menos ruins encantos: questões de geometria. Era a literatura da Matemática, mais solta, mais bailarina. Interessavam-me (dentro do estritamente possível) a visualização espacial da coisa e a exigência de criatividade; não se fazia obrigatório que sua solução passasse pelos dados que o gabarito escolheria, e essa alguma – melhor que nenhuma – liberdade chegava perto de me enternecer. A chance da, diria minha irmã, matemágica: brincadeira com os elementos disponíveis a tal ponto que se vencia a resposta pelo cansaço. Milhões de xizes e tangentes depois, a cuja aparecia, exausta do pique-pega, sem mais formulações onde se escondesse. De certo jeito desengonçado, eu curtia. Curtia ter ocasião de pegar o triângulo lá fora e, sob depoimentos irrefutáveis de alturas e bases e somas de ângulos, obrigá-lo a confessar.

(Not anymore. Espanta-me que eu tenha sequer já passado os olhos sobre o que, um dia, estava tão chocantemente íntimo. Matemáticas, para indisciplinados confessos, são aquilo: o fetiche do cara abrutalhado que se admira na telona, mas que nos botaria repulsa delicadinha num esbarrão de sala de jantar.)

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