quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Obscenos

Não li e provavelmente não lerei Cinquenta tons de cinza (nenhum motivo senão falta de tempo e preferência incontornável por enredos do século XIX). Entendo, porém, a celeuma criada em torno da trilogia. Pelo que sei, é obscena. Livremente obscena. E isso, muito exatamente isso, é o que anda faltando a realidades acostumadinhas a serem sexuais, a serem não raro pornográficas, mas de jeito mais histérico e exibido – ou o contrário: abafado e opresso. Gritada ou veladamente pornôs que andem as rotinas, nem por isso são obscenas. Que obscenidade, mesmo (não a falsa; não a que escandaliza solteironas de Jorge Amado; não a grosseria do gesto que o atacante faz para a torcida adversária), caminha na corda bamba do mistério e do despudor, do entregue e do escondido, da minissaia safadjenha sob laço de fita e Mona Lisa smile. Obscenidade, como a vejo, é a alegria do encontrar sem a vulgaridade do perder-se. É o sério namorando o solto, a risada que provoca sem avançar decibéis na descompostura, o umbiguito que se oferece na transparência sem presentear com pacotão de nudez. Obscenidade é coração de porta entreaberta como apê de novela do Maneco – convidante do vizinho sim, em festa permanente, mas limpa de desgoverno promíscuo.

Faz-se pois urgente, por motivo de vida real e imediata, que sejamos obscenos. Livremente obscenos.

Ninguém insistirá em me mal-entender julgando que estimulo imoralidades, e logo verá que falo de algumas vezes deixar garfo e faca dormidos no prato; de algumas vezes cair de lábio e dente na coxa de frango, em degustação sem fronteiras e fome zumbi. Verá que nos mando atacar uma pera ou melancia como à última fonte do Saara, vampirizando-lhe o caldo a ponto de escorrê-lo no rosto – esteja-se ou não sob a análise do paquera. Verá que penso em triunfar de saia florida no salão, sendo aliciada pelo ritmo como se não houvesse público ou amanhã – saibam-se ou não os passos previstos na rumba. Verá que defendo um ou dois esquecimentos de regência, três ou quatro desaforos à concordância, cinco ou seis deboches de cacófato e gerundismo, sete ou quinze fugas desabaladas de paralelismo. Verá que zombo dos exagerados cotidianos que sentem culpa inconfessável quando mudam de cadeira ou de esquina. Verá que nos incentivo a pingar descuidos (seguros, calculados) no meio das ansiedades enjauladíssimas. Verá que faço o elogio das preferências alegremente impolíticas (aqui nem todas minhas): assisto sim novela, leio sim romance de banca de jornal, conheço sim os bebebês, canto sim as músicas da Disney, adoro sim samambaia na sala, namoradeira na janela, pinguim na geladeira, Dunga no jardim. Verá que acho sexy no úrtimo misturar estampas com coragem desavergonhada, mesclar decorações com piração abusada, assumir declarações com candura inusitada, reunir amigos de várias plagas sem preconceito ou certeza.

Livremente obscenos. Sentindo ternura pela gente mesmo pra não perder a dureza.

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