quinta-feira, 14 de março de 2013

Ainda somos os mesmos

“A competição torna as mulheres óbvias”, reza uma interessante fala da Pantera Cor-de-Rosa original. Eu ampliaria: a competição nos torna, a todos, animais óbvios. Não existe sincera originalidade na ânsia da derrubada. Por mais hábeis que se queiram os estratagemas, por mais enredantes, por mais intrincados, são sempre e unicamente os mesmos, antigos como chover de cima para baixo. Querer ser ou parecer melhores é o esperado, é o previsível. É a mola que nos faz uma turba de clichês respirantes.

Em nome da má e velha competição, senhoritas mutilam-se organicamente – cortando-se, preenchendo-se, esfaimando-se desde que o mundo é mundo, e só evoluindo na ciência da tortura. Em nome dos primeiríssimos lugares, atletas profissas se vergam, quebram, torcem, forçam, dopam, sabotam-se de dor e estresse, respondem a sabidas provocações com sabidas outras; vão nas mesmas perseguições de rivais e intentos, nos mesmos discursos pseudo-olímpicos, na mesma culpabilite aguda dos treinadores, na mesma milenar revolta contra os árbitros. Em nome do mais gordo espaço na mídia, mulheres ricas cabeceiam-se em declarações de eterna cretinice, estrelas e subestrelas tiram eternas fotos em eternos castelos famigerados, repetem frases eternamente de efeito, sorriem poses eternas. BBBs, que tédio supremo: em nome dos milhões sempre maiores e sempre iguais, cometem sempre iguais tolices, tropeçam em panelas iguais, teatros iguais, velhos adágios, velhas mesquinharias. Estão todos ininterruptamente sendo, ó cansaço: mais espertos, mais fortes, mais resistentes, mais potentes, mais up to date, mais belos, mais magros, mais milionários. Um mundo de super-heróis dando rasteiras, de coiotes lançando alfinetadas. Um inferno com fraldas de jardim da infância.

Moderno, fresco e novo, de fato e de direito, é o clima inédito de não-competição. Quebra a banca. Ninguém nos espera magnânimos, ninguém à primeira vista nos supõe desapegados; bondade gratuita, tranquilidade indiferente é susto. Sabe os reais lançadores de tendência? Os que recusam a promoção no trabalho porque a vida está megaboa assim, as que revelam com alegria o nome daquele perfume, os que congratulam o primo pela vitória do time dele sobre o seu próprio, as que riem divertidíssimas do vestido clonado na festa. Os que largam tudo para servir no Haiti, mesmo que o pai os vá considerar fracassados perante o irmão engenheiro; as que torcem secretamente que seu ex, tão bacana, enfim se entenda com a melhor amiga. Os que divulgam a receita secreta, o telefone do psiquiatra, as façanhas do colega de equipe, a estratégia (vitoriosa) do companheiro de time, o número da certidão e do manequim, a bobagem levemente pensada, a gafe quase cometida. Os docemente loucos – dessa loucura que é não desejar esmagar um só humano como uva de vinícola. Os livres. Os livres de coração em relação à desconfiança compulsória, que não é mais do que ego obeso da impressão de o mundo in-tei-ro! querer ser exatamente vocezinho. 

Bem-aventurados os desencanados: eles possuirão a terra. E não estão nem aí.

Nenhum comentário: