quinta-feira, 21 de março de 2013

De dentro para fora

Nesta época de ovos e nasceres, surge uma bonitice no Face: “Se um ovo se quebra por uma força externa, a vida acaba. Porém, se ele se quebra por uma força interna, a vida começa. As melhores coisas começam a partir de dentro”. Justíssimo – e duma simplicidade tão pasmante que eu nunca me dera ao trabalho de pensar na coisa. A mudança que nos aborda de fora, violentando de pressas uma decisão que demoraria, talvez, mais par de meses para amadurecer e adocicar, tanto grita no ouvido que acaba ressecando-nos de desgosto. A resolução obrigatória é como erosão nas geografias reais de um coraçãozito, o qual, mais dia menos dia, revolta-se contra o desmatamento e apresenta a conta. Não ocorre assim com as resoluções autênticas, fincadas, enraizadas: estas são vegetação nativa. Estas crescem nas exatas temperaturas, por conhecer o terreno; estas se amarram nos vãos do solo, espertas e informadas, e se tornam intiráveis. Inarrancáveis. Infinitas enquanto suas.   

Obesos e fumantes, por exemplo. Adianta esfregar a cara dum ser humano em estatísticas mórbidas, adianta desfilar gráficos frios e imagens impactantes, adianta chantagear com o fim da relação ou dar susto fugindo pra casa da mãe, adianta – se não se toca, vez alguma, no ponto nevrálgico? Conseguem-se promessas e desgastes, e uma ou outra tentativa que rola pelo esgoto assim que a relação efetivamente acaba, assim que uma primeira onda joga areia no bunker de mentira. Vêm as recaídas: piores, mais vingativas, mais raivosas, com mais abandono às próprias fraquezas, falsamente invencíveis. Mas um dia o fumante é tomado inteiro duma epifania; encara que o filho tapa o nariz a seu lado, mesmo com a desgraça apagada. Que seu cabelo, suas roupas, todo ele exala brasa densa e morta. E um dia o obeso é capturado numa revelação: sente-se mal, velha e cansadamente mal, enjoadamente mal dentro de si e de todos os antigos trajes. Pronto. Eis, começando, um ex-fumante e um ex-obeso – naquele instante preciso. Não houve broncas, não houve pressões; quebrou-se, a seu tempo, a casca. Atingiu-se aquele ponto G da decisão que todos guardam em cofre incerto. Às vezes a vaidadezinha mais supérflua é a peça de encaixe; e desde aí, virada a chave do motor, não tem para ninguém. Inicia-se a estrada suada, sim, mas anestesiada pela certeza – que não há como a certeza para fazer um santo dopping.

Igualzinhamente agem os “amores” estrupícios, que você não consegue largar até ser invadido pelo nojo (o nojo crucial que suplanta racionalizações). Igualzinhamente se comportam as fendas de caráter, incorrigíveis até que o portador seja tsunamizado de vergonha (a vergonha que supera encarceramentos). Da mesma forma os ressentimentos históricos, imortais até que a exaustão cresça mais que os motivos. Do mesmo jeito as demissões do emprego eterno, impensáveis até que a doença moral exceda os ganhos. Do mesmo modo os vícios outros. As revoltas imotivadas. As passividades políticas. Os males físicos ignorados. Os pânicos de estimação. Adianta aconselhar, guiar, recomendar, sempre e muito; mas adianta forçar barras? não adianta: turning points são caixas eletrônicos de manobra individual e senha intransferível. Travam noutra mão, implodem de outra maneira.

Só ficamos invencíveis quando deixamos de nos ser terra estrangeira.

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