sexta-feira, 29 de março de 2013

De um lado só

Foi isso – “Argh, passei o dia chorando de um lado só!” – que exclamei finalmente, depois de mais uma crise aquífera do olho direito. Sim, meu olho direito às vezes dá a louca e toca de doer, doer e chorar, chorar que não é bolinho, especialmente por claridade maior. Eis que a exclamação foi, pois, denotativa, e só passados segundos é que me dei conta do teor figurado. Chorar de um lado só? ora pitombas, é o que mais fazemos rotina afora; e abençoados somos quando assim se passa a coisa. Sortudos (de loteria acumulada) somos quando o contexto nos restringe a chorar por via de mão única.

Eu mesma. Numa floresta urbana de famílias despencadas, violentas, confusas, separadas, doentias, indiferentes, viciadas, gritosas, fragmentadas de excesso ou de falta, de herança ou de vácuo – como não ser grata pela infância sólida, normal, classe-mediamente brincada, sem brigas domésticas, sem mimos nem murros, com livros e filmes à penca, sem ciúme nem conflito de irmão? como não agradecer um mundo de Fábios fabulosos e sogras fofas, estavelmente puro de qualquer esfera nociva? Pelo lado emocional que choram muitos, não choro eu. Em contrapartida, remo há quase cinco anos nas galés do município e há oito nas do estado, e, por mais que não tenha (ainda) me calhado o pior dos mundos profissionais, parquinho de diversão é que isso não é; nem são raras as datas de profundo azedume, fome de competência, pasmaceira de ideias, desesperança de resultados. Dar aula é penoso por vocação. Dar aula em nome do governo, porém, para aqueles que o governo mesmo encaminha à burrice, para aqueles que o governo prefere superficiais e manipuláveis, para aqueles que o governo deseja estragadinhos e precocemente grávidos (alguém tem de embarrigar de eleitores para o futuro e mesmo governo), é fazer de giz e pilot os únicos soldaditos dum exército de Brancaleone previamente vencido. Eu choro desse lado só, bastante e sempre: remo nas galés tendo por antagonistas os ajudados. Remo duro e remo na contramão.

Há os profissionalmente felicíssimos que fazem guerra perpétua contra a fobia de infância. Há os realizados no casamento que despejam no travesseiro a ausência emocional do filho. Há os pais de filhos-modelo que despejam no divã a agonia do chefe perseguidor. Há os crescidos entre moedas de ouro que lacrimejam doenças. Há os búfalos de saúde que se embananam em dívidas. Há os residentes no Vale do Loire que se atormentam em dúvidas. Há os respeitados que se tomam como feios, os belos que se analisam como burros, os sábios que se amarguram de sozinhos, os populares que têm úlcera de perdões não dados, os pacíficos que se afligem de anos não estudados. Há todos, há tudo; há, sobretudo, necessidade de visão corajosa e compensante com o olho que resta.

Viver: dançar a possível festa.

Nenhum comentário: