sexta-feira, 22 de março de 2013

O bagaço da laranja

“Eles espremem a laranja até o bagaço”, exasperou-se o Fábio solidariamente, após eu me exasperar diante da octogésima quarta aparição mensal de quem, de quem, de quem? Naaaaaaaldo – exclamava em êxtase o apresentador do programa. Naldo, gente, Naldo todo dia. A toda hora. É para enlouquecer um ser humano minimamente alérgico ao óbvio. E quando não é Naldo, é fatalmente Neymar. Tome Neymar! no comercial do carro, do celular, do cartão, do apê, da TV, da TV por assinatura, do chiclete, da mamadeira, do varal, da tigela de barro, do leite em pó, da rua, da chuva, da fazenda, da casinha de sapê. Tome Neymar como entrevistado de honra no sofá do Jô (tem alguma cor de cueca ou tipo sanguíneo que alguém já não saiba do Neymar?), tome Neymar sambando no Esquenta, sapeca-iaiando na boate da modinha, namorando a gatinha da novela, mostrando a nova tatuagem imostrável (se não fez, vai fazer) na globo.com; tudo tanto e tão muito, tão bate-estacado, que me admira não terem dado ainda, ao topete do Neymar, uma qualquer participaçãozinha nos lucros do assassinato de Hugo Chávez. Sim, porque toda eminência mundial que se preze foi ali dar uma assassinada em Hugo Chávez. Eu mesma não ponho o dedito no fogo pelo Naldo.

Agora me digam. Para que esse enfastiamento cotidiano, esse chafurdamento involuntário nas mesmas e mesmas notícias, nos personagens de sempre e sempre? Para que essa abastança que parece castigo de mãe monstra do Supercine (“Ah, você gosta disso? Então vai comer e comer e comer e comer até vomitar, queridote!”)? Para que envenenar o público com seus próprios favoritos, para que enjoá-lo precocemente da abundância de suas escolhas – para que um capitalismo mais colérico do que aproveitante, um sistema que tão ressentidamente gasta o trunfo a ponto de expô-lo à golfada e refluxo das massas? Nosso capitalismo, que já foi apenas selvagem (carcará preciso que pega, mata e come), virou sádico ruminante; é com discreta maldade que mastiga, mastiga, mastiga a bola da vez, torturando-a de sucesso impossível. Cada pseudovítima sabe que a coisa não dura e virá breve o devoramento inevitável, mas segue sangrado pela mídia muito tralalá da vida, fingindo que não sente o estalar dos ossos. Quando se percebe vazio, tenta emplacar uma conta polêmica no Twitter ou capa de Playboy. É tarde. Os tentáculos são muitos, são exagerados hoje em dia: sugam mais loucamente e decretam fim de caso mais rápido.  

Eu, sendo a mídia, não ia deixar “celebridade” esquentar lugar, para justamente evitar desilusões que geram suicídio profissional. Não só para isso: muito especialmente para servir cardápio suculento, farto, rico, cheio das várias interessâncias desperdiçadas no universo de repetições. Um dia de funks e afins, vá lá; no seguinte, Bach é a estrela; no terceiro, maracatu; em sequência, chorinho. Um dia de Neymar, outro protagonizado pela senhorinha que cria o neto solitária; um dia de Bruna Marquezine, em seguida um inteiramente concentrado no moleque que acabou de descobrir Clarice Lispector. Uma hora de documentário sobre a marcha do pinguim imperador, duas de homenagem ao centenário de algum poeta norueguês, três de filme passado em íntegra legendada, sem intervalos. Que eu abriria falência em meia semana é coisa líquida e certa – mas havia de ser a mais explosiva half week alguma vez veiculada, limpa de toda previsibilidade, a se assistir de olhos frescos; olhos sempre começantes. Porque saudar o mundo cada manhã e nele achar o mesmo da véspera, congelado, enclichezado, sufocado ad nauseam de recursos pequenos:

Menos. Cada vez eu quero menos.

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