quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Ao ponto

Sou do time dos congelados (caseiros, bem entendido) e só cozinho quando falta qualquer alternativa – não por detestar a tarefa, mas simplesmente por não me dispor a perder tempo com ela. Tem gente que manda bem no fogão e quer vender, eu não tenho paciência de quituteira e topo comprar: eis o equilíbrio do mundo. Pelos mesmos motivos de desinteresse, nunca fui fã de programa algum de culinária. Pra que recolher receitas e dicas, se honestamente não vou meter a mão na massa – e o pior: se vou ficar aguadinha no sofá, sem acesso aos acepipes da tela? Eu, hein. Ofélia, Oliver, Olivier, Rodrigo, Palmirinha (e suas fabulosas bochechas) que me desculpem, mas bandeja de prova é fundamental.

A exceção se abriu quando o Fábio começou espiando o MasterChef brasileiro, enganchou de ir vendo, ir vendo e finalmente se viciou. Euzita – que já ouvia o povo comentando e tinha, pela atração, a mesma nenhuma inclinação que pelas similares – fui chegando do trabalho, estava ali passando, nós convivendo, coisa e tal, até que cedi o coração improvavelmente. MasterChef Brasil é um encanto; mui principalmente pelo molho fofíssimo que deu liga entre os jurados, salpicado do açúcar afetuoso com que Ana Paula Padrão conduz os eventos. Que lindamente brasileiro o fato de apenas um dos membros do júri – chef Henrique Fogaça, o maior metaleiro de pelúcia que você respeita – ter nascido em nosso chão! Que majestade na presença da chef argentina Paola Carosella, absoluta em cada conselho, queridona em cada aula, phyna e dyvah até comendo ostra! Que diversão à parte no sotaque legendado de Érick Jacquin, em sua gula gaiata, em seu tradicional biquinho francês resmungando a sobra ou a ausência de tompero!

São esses quatro amadíssimos e um quinto ingrediente especial: a manifestação estrepitosa (e às vezes desastrada) de criatividade. Em outros shows gastronômicos, o normal é haver foco numa só bancada ou duas, num só cozinheiro profissa ou dois, e muito papo de parça que se encontra esporadicamente, muita risada, muita mise-en-scéne. Particularmente, odeio ver papo de parça e mise-en-scéne. É pacumê ou pacunversá? No MasterChef, é pacuzinhá em ritmo pauleira, sem blablablá nem mimimi. E são váááárias bancadas, vááááárias ideias simultâneas, diversos planos bês e zês, inúmeros truques de desespero, dúzias de malabarismos que acabam dando certo, pencas de reaproveitamentos que dão errado – mas acendem na gente a lampadazinha de novos caminhos –, montes de delícias que ao mesmo tempo brotam do talo, da palha, do resto, da casca, do caroço. Os participantes viram bagaço e flecha, se viram nos trinta-ou-poucos-mais minutos para entregar e entregam: a gororoba que sair, mas entregam. E nós descobrimos fascinados que, do improviso e da pressa humana, da máxima objetividade do talento, explodem pequenos big bangs entre sabores que nunca se esbarrariam em sã consciência (como me apetece a beleza improvável!). Descobrimos também que nem tudo rola by the book, porque muito da receita não está em qualquer book; está na finíssima alquimia do furinho prévio na casca do ovo, do tompero colocado na frigideira e não na comida, do segundo ínfimo entre o creme e o purê, entre o caldo lisinho e o embolotado. O segredo está nas manhas, nas tentativas e nas margens – nas anotações off the record de um Príncipe Mestiço. 

Fica, aliás, a dica amiga: MasterChef é que nem supermercado; só se deve frequentar de barriguita cheia, menos vulnerável a chamados e seduções. Caso contrário, mano, prepara – que a sua dieta vai sentar na graxa.

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