terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Enquanto você não vem

No sábado de carnaval, o jovem Igor Bezerra foi (de carro) pular todas em Petrolina. Estacionou nas imediações da pipoca, pulou todas e voltou às duas da madruga, quando notou, desgostoso, que o vidro do carro estava aberto. “Danou-se”, qualquer um pensaria. E, de fato, tinha sumido a bagulhada completa: celular, óculos escuros novinhos, duas camisas, perfume, documentos, comida. Ficou só um bilhetinho, cujo teor não sei mas que abespinhou os ânimos do moço; provavelmente algum “vou guardar tudo para você enquanto não volta” ou coisa que o valha, já que o rapaz foi para casa na certeza de que o ladrão ainda tripudiava sobre seu descuido.

Ao chegar à sweet home, Igor foi recebido pelos pais, que haviam ligado para seu número e papeado com outro sujeito – e eis que o tal sujeito jurava ter visto o carro com o vidro escancarado e, junto com a mãe e a namorada, decidido retirar os pertences para que não fossem furtados. No dia seguinte, lá foi Igor (acompanhado de dois amigos, ainda no receio de um golpe qualquer) encontrar o bom samaritano e suas companheiras. Não só recebeu absolutamente tudão de volta como ainda ouviu da mãe do rapaz, ao tentar oferecer-lhes uma recompensa em dinheiro: “De jeito nenhum, vá e faça isso por outra pessoa”. The (happy) end.

É mais uma daquelas histórias que enfofam o dia, e mais: alertam que a generosidade reativa nem sempre é suficiente. Pode não bastar a simples cessão da esmola, da bengala, da força, da ajuda solicitada; pode não ser eficiente apenas dar, pode ser preciso oferecer. Não retirar a responsabilidade do outro, mas completá-la. Zelá-la. Assessorá-la. Ter a finura atenta e atenciosa de quem previne os males malandros para que não seja mais custoso corrigi-los. Voluntariar-se como HD externo do bem-estar alheio, primeiro-ministro do interesse que é nosso porque é do outro, elo devotado que protege a corrente na integridade do elo vizinho. Quanto mais circulamos pelas lacunas do não dito, mais a roda coletiva gira azeitada. Somos todos filhos, afinal – e filhos carecem de rotas independentes na mesma medida em que demandam lanternas que as instruam.

Enquanto o aluno não acorda para o essencial que somos, deixemos em sua caixinha de memória o cabedal para futuros saques. Enquanto o humano certo não chega tomado de ternura adotante, conservemos feliz o filhotinho que será sua alegria. Enquanto o funcionário atravessa o tornado que não lhe permite ter o desvelo de sempre, mantenhamos seus bons créditos de confiança rendendo juros agradecidos. Enquanto o pródigo não retorna de sua temeridade, cuidemos do quarto arrumadinho e do talher que espera na mesa. Enquanto a mãe ou pai sumido não devolve sua incondicionalidade ao pequeno que aguarda, reguemos no pequeno o amor que respeita, aviva e perdoa. Enquanto o primo não regressa de viagem, que as plantas se sustentem verdinhas. Enquanto o afilhado não cresce, que sua herança se desenvolva frutífera. Enquanto os olhos do bem-querer não nos descobrem, que os detalhes secretos e sagrados morem sacramentados em nosso álbum mental.

Não o acaso, mas o amor é que nos protege e resguarda o que vale até que deixemos de andar distraídos. E depois.

Nenhum comentário: